Resistência a antibióticos em animais de estimação: por que é uma ameaça?

A resistência a antibióticos se tornou um problema de saúde pública que envolve animais de estimação e seus tutores. Conheça todos os detalhes aqui.
Resistência a antibióticos em animais de estimação: por que é uma ameaça?
Sebastian Ramirez Ocampo

Escrito e verificado por veterinário e zootécnico Sebastian Ramirez Ocampo.

Última atualização: 29 julho, 2023

Graças aos avanços na área da medicina veterinária, o bem-estar animal alcançou uma evolução nunca antes imaginada. No entanto, ameaças como a resistência a antibióticos em animais de estimação podem comprometer parte do que foi conquistado até agora devido à transmissão de superbactérias de cães e gatos para seus tutores.

Ainda que o aumento da capacidade de sobrevivência dos microrganismos —contra os efeitos dos fármacos que anteriormente poderiam afetá-los— seja um problema que prejudica mais os seres humanos, vários estudos têm alertado sobre as implicações desse fenômeno nos animais.

Se você deseja saber mais sobre as causas, implicações e riscos da resistência a antibióticos em animais de estimação, não perca as informações que compartilhamos com você no conteúdo a seguir.

O uso de antibióticos na medicina veterinária

Desde sua descoberta em 1928 pelo médico Alexander Fleming, os antibióticos salvaram a vida de milhões de pessoas em todo o planeta. Pela primeira vez, um medicamento foi capaz de combater com eficácia bactérias e micróbios que causavam doenças de diversos tipos.

No campo da medicina veterinária, os antibióticos foram introduzidos há cerca de 70 anos. Desde então, graças a esses compostos, foi possível prolongar a expectativa de vida dos animais de companhia.

Dada a sua ação bacteriostática e bactericida, ou seja, matam microrganismos e também impedem sua multiplicação, esses medicamentos têm sido usados com sucesso no tratamento de patologias oculares, cutâneas, auditivas, respiratórias e urinárias.

No entanto, as bactérias conseguiram contornar os efeitos dos agentes antimicrobianos. Elas desenvolveram mutações genéticas que lhes permitem resistir à ação dessas substâncias químicas sobre sua integridade celular.

Veterinário oferece pílula para cães Corgi
Os antibióticos possibilitaram a redução das taxas de morbidade e mortalidade em animais de companhia.

O que é resistência a antibióticos e como ela é gerada?

Em termos clínicos, esse fenômeno é definido como a capacidade que uma bactéria desenvolve de resistir aos efeitos de um medicamento que a afetava previamente. Em essência, os microrganismos evoluem a um ponto em que podem sobreviver e se reproduzir apesar da exposição a um antibiótico ao qual eram previamente sensíveis.

Essa capacidade é gerada por alterações genéticas ou mutações no DNA das bactérias, que, além disso, podem ser transferidos para as gerações seguintes ou para outras bactérias de diferentes espécies.

Embora nem todos os elementos envolvidos na resistência a antibióticos tenham sido claramente estabelecidos, alguns fatores de risco foram identificados para que ela ocorra.

  • Superexposição a antibióticos: independentemente da eficácia de um medicamento, ele raramente, ou nunca, mata 100% de uma colônia de bactérias. Por esse motivo, haverá pelo menos um microrganismo que sobreviveu ao seu efeito. O risco é que ele transmita seu material genético para a prole, criando, assim, novos microrganismos resistentes a esse antibiótico.
  • Fornecer antimicrobianos em doses ineficazes: na prática veterinária é comum a prescrição de antibióticos em doses inadequadas por desconhecimento. Ou seja, abaixo do limiar de eficácia. Essa situação gera maior taxa de sobrevivência bacteriana, que também adquirirá resistência progressiva ao fármaco.
  • Usar antibióticos de amplo espectro: embora esse tipo de medicamento atue de maneira eficaz contra uma ampla gama de bactérias, seu uso excessivo pode levar à resistência a antibióticos por diferentes agentes infecciosos.

Resistência a antibióticos em animais de estimação

Vários estudos identificaram cepas resistentes de bactérias em animais de companhia, como cães e gatos. Os dados dessas investigações permitiram determinar as variáveis associadas a esse problema.

Por exemplo, um estudo divulgado na revista Veterinary Microbiology, detalhou a presença de bactérias da espécie Staphylococcus intermedius resistentes a penicilinas, macrólidos, tetraciclinas e cloranfenicol em cães com piodermite.

Da mesma forma, um artigo no Journal of the American Veterinary Medical Association, relatou a descoberta de Escherichia coli resistente a fluoroquinolonas em cães com infecção do trato urinário.

Além disso, um estudo realizado na Colômbia encontrou Staphylococcus spp resistente a ampicilina, cefalosporina, enrofloxacina e tetraciclina em cães e gatos. Da mesma forma, foram identificados outros agentes infecciosos como Klebsiella spp, Enterococcus spp, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus.

Os fatores de risco para adquirir infecções bacterianas resistentes em animais de estimação incluem:

  • Longos tempos de internação: geram maior exposição a esses agentes.
  • Doenças imunossupressoras: patologias como o vírus da imunodeficiência felina produzem uma maior suscetibilidade à aquisição desse tipo de bactéria.
  • Animais doentes: a transmissão de microrganismos resistentes pode ocorrer pelo contato com animais de estimação infectados.
  • Alimentos à base de carne crua: também conhecidos como dietas BARF, tornam os animais de estimação mais propensos a transportar bactérias resistentes a esses medicamentos.
antibiograma
Teste de suscetibilidade bacteriana conhecido como antibiograma.

Implicações desse problema

A resistência a antibióticos é um desafio para os profissionais de saúde humana e animal, pois gera uma série de transtornos tanto para os animais quanto para seus tutores.

Por um lado, os tratamentos para esse tipo de bactéria são mais caros. Isso porque os medicamentos necessários costumam ser mais caros do que os usados em situações convencionais.

Somado a isso, os pacientes precisam de mais visitas ao veterinário, pois deve ser mantido um controle rigoroso de sua evolução. Além disso, testes diagnósticos são necessários para avaliar a sensibilidade farmacológica dos microrganismos.

Por outro lado, animais de estimação submetidos a esses tratamentos tendem a apresentar mais efeitos adversos devido à potência dos medicamentos utilizados. A título de exemplo, citamos um estudo publicado na revista Veterinary Dermatology, no qual se avaliou o tratamento de 216 cães com piodermite. Foram relatadas maiores reações adversas a nível gastrointestinal em cães que receberam terapia contra bactérias resistentes.

O risco de resistência a antibióticos em animais de estimação para os responsáveis

De acordo com um artigo publicado na revista Microorganisms, esses microrganismos têm a capacidade de se espalhar pelo contato humano-animal, gerando o que se conhece como doenças zoonóticas.

Além disso, genes que desempenham papel fundamental na resistência bacteriana podem ser transmitidos entre os tutores e os animais de estimação. Por exemplo, um estudo publicado no Journal of Applied Microbiology identificou -através de PCR- genes envolvidos na resistência bacteriana em amostras fecais de cães e proprietários.

Destes, uma média de 3,3 foi compartilhada entre humanos e seus animais de estimação. Embora a proporção seja baixa, os autores indicam que a vigilância de bactérias resistentes em animais de companhia deve ser continuamente monitorada. Isso se deve ao risco que essa situação representa para a saúde pública.

O que fazer nesse cenário?

Estima-se que cerca de 50% dos antibióticos prescritos a humanos são prescritos desnecessariamente ou mal administrados. Acredita-se que algo semelhante ocorra na área da medicina veterinária. Nesse sentido, os profissionais de saúde devem ser os primeiros a se responsabilizar e agir para frear o avanço de bactérias resistentes e multirresistentes.

Considerando que o ritmo de descoberta de novos antibióticos diminuiu consideravelmente, os médicos veterinários devem ser cada vez mais seletivos no uso desses medicamentos em seus pacientes.

Gato recebe injeção no veterinário
Os veterinários devem tomar medidas preventivas para diminuir a prevalência de bactérias resistentes a antibióticos.

Desenvolver estratégias como o uso rotineiro de antibiogramas para detectar a sensibilidade de uma bactéria ou garantir que as doses corretas sejam manipuladas na frequência e horário indicados deve ser a missão de cada um dos profissionais envolvidos.

De fato, a American Veterinary Medicine Association (AVMA) desenvolveu uma série de ferramentas práticas que permitem aos veterinários tomar decisões baseadas em evidências ao estabelecer o tratamento para seus pacientes.

Por fim, os responsáveis devem evitar práticas como a medicação empírica de seus animais de estimação, além de manter em dia os esquemas de vacinação e desparasitação de seus cães ou gatos. Por fim, é importante lembrar a necessidade de check-ups constantes, pois é sempre melhor prevenir do que remediar.


Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.



Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.