O javaporco espanhol: o que é e como ele afeta o ecossistema?
Escrito e verificado por o biólogo Samuel Sanchez
Desde 2016, a mídia espanhola chamou a atenção para a existência de um híbrido entre o porco vietnamita e o javali, que foi batizado com o nome de “javaporco”. A existência dessa variedade não é surpreendente no aspecto biológico, pois afinal o porco comum e o porco vietnamita são uma subespécie do javali (Sus scrofa).
Como todas essas variantes suínas estão intimamente relacionadas, considerando o aspecto genético elas são capazes de se reproduzir umas com as outras. Infelizmente, o cruzamento do javaporco mostra uma troca de genes entre populações de suínos em cativeiro com variedades silvestres, o que pode ser extremamente prejudicial para as populações naturais de javalis.
O javaporco espanhol, um animal envolto em mistério
Para entender as raízes desse evento, precisamos volta ao ano de 2016. La Sexta e outros portais informativos entrevistaram o cientista espanhol Miguel Delibes-Mateos, que afirmou ter realizado testes genéticos em um espécime que parecia um cruzamento claro de um porco vietnamita e um javali. Assim nasceu o javaporco espanhol.
Infelizmente, não conseguimos encontrar fontes genéticas que evidenciem a existência desse cruzamento. Biólogos e agentes rurais espanhóis vêm alertando sobre a presença desses animais há vários anos, mas, mesmo assim, encontrar estudos que explorem a genética desse enigmático animal é impossível por meio de fontes públicas.
Segundo meios de comunicação como o jornal Público, Miguel Delibes-Mateos e o seu tio, Adolfo Delibes-Mateos, publicaram os seus estudos genéticos nas revistas Animal Biodiversity and Conservation e Quercus em 2014.
De qualquer forma, relatos de caçadores e guardas florestais confirmam que, nos últimos anos, o porco se espalhou por várias partes da Península Ibérica. Entre as áreas em que foram detectados avistamentos encontram-se Castela e Leão, Madrid, Navarra, Aragão, Catalunha e Comunidade Valenciana.
Características do animal
Para entender a origem e as características do javaporco espanhol, precisamos voltar muitos anos. A domesticação do javali (Sus scrofa) ocorreu no Oriente Médio há cerca de 13 000 anos, dando origem ao conhecido porco doméstico (Sus scrofa domestica).
Apesar da morfologia diferente, o porco doméstico continua a ser uma subespécie do javali, podendo, portanto, cruzar com o seu parente selvagem. Então, o ser humano se propôs a criar uma variedade de porco doméstico ainda menor no México em 2006. A partir de então, a seleção genética deu origem ao porco vietnamita.
O porco vietnamita ou minipig tem menos de 51 centímetros de altura e pesa menos de 68 quilos, daí seu nome. Para ter uma referência, um javali pode atingir 120 centímetros de altura e atingir uma impressionante massa de 165 quilos. Apesar de serem 2 integrantes do mesmo táxon, eles são drasticamente diferentes.
Como resultado do cruzamento entre ambos, o javaporco espanhol é descrito como um animal de aparência grotesca, com um tamanho um pouco menor que o do javali e com cerca de 80 ou 100 quilos de peso. Tem patas muito longas e alguns exemplares têm muito pelo, enquanto outros se destacam pela tez nua. As descrições são escassas e variadas.
Como os javaporcos espanhóis podem afetar os ecossistemas?
Para compreender os efeitos desse enigmático animal no meio ambiente, devemos distinguir 2 categorias: o bem-estar do javali (Sus scrofa) e a manutenção a longo prazo dos ecossistemas. Vamos lá.
1. Impacto no javali
O cruzamento entre o porco vietnamita e o javali pode erodir o genoma das populações de porcos selvagens. Os minipigs são produtos da seleção humana e, portanto, não estão preparados para viver em liberdade. Apresentam em seus genomas altos índices de endogamia, o que pode ser deletério a curto e longo prazo.
Por exemplo, os porcos vietnamitas são propensos a certas doenças. Entre eles, encontramos problemas oculares, gônadas atrofiadas e ânus imperfurado. Em muitos casos, a seleção genética resulta em desastre, pois promove a herança de certos genes que codificam patologias.
Assim, o genoma do javali poderia estar contaminado com as mutações genéticas dos minipigs. Isso geraria populações de javaporcos inviáveis a longo prazo e, em última análise, a perda da viabilidade biológica do próprio javali.
2. Impacto nos ecossistemas
Os javaporcos espanhóis parecem ser mais reprodutivamente prolíficos do que os javalis normais. Portanto, caso se instalem no ecossistema mediterrâneo, podem ter um efeito devastador sobre a fauna e a flora locais.
Esses animais não só seriam capazes de devastar vegetais e plantações de uso humano, como também poderiam esgotar as populações de pequenos vertebrados e insetos. Lembramos que os porcos são animais onívoros e, como tais, podem se alimentar de seres vivos. Além disso, acredita-se que os javaporcos sejam mais vorazes do que os suínos selvagens.
Assim que uma nova espécie, subespécie ou raça estrangeira é introduzida em um ecossistema, toda a cadeia alimentar pode ser desestabilizada.
Cuidado e cautela
A partir de 1º de janeiro de 2022, será proibido manter porcos vietnamitas como animais de estimação na Espanha. Essas medidas legislativas foram oficialmente incluídas no Catálogo de Espécies Invasoras na Espanha, então logo entrarão em vigor. Como você pode imaginar, a custódia e a reprodução desse mamífero são proibidas devido ao seu potencial invasor.
Como já é praticamente ilegal manter porcos vietnamitas em casa, só podemos esperar que os javaporcos espanhóis não proliferem no ecossistema em que foram introduzidos. Há um longo caminho a percorrer antes de considerar esse suíno como uma subespécie invasora, então, por enquanto, a única maneira de agir é ter cautela e observar.
Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.
- Delibes-Mateos, M., & Delibes, A. (2013). Pets becoming established in the wild: free–living Vietnamese potbellied pigs in Spain. Animal Biodiversity and Conservation, 209-215.
- Groenen, M. A., Schook, L. B., & Archibald, A. L. (2011). Pig genomics. The genetics of the pig, 179, 199.
- Davoli, R., & Braglia, S. (2007). Molecular approaches in pig breeding to improve meat quality. Briefings in functional genomics and proteomics, 6(4), 313-321.
Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.