O 'lagostim de mármore', um animal que se clona
Escrito e verificado por o biólogo Cesar Paul Gonzalez Gonzalez
Dentro do grande grupo dos crustáceos, chama a atenção o popularmente chamado ‘lagostim de mármore’, uma espécie mutante que iniciou a colonização de vários habitats. Esse crustáceo (Procambarus virginalis) é um lagostim de 10 patas (decápode).
A maioria dos exemplares apresenta comportamentos agressivos e, além disso, constituem uma parte importante da cadeia trófica como alimento para diversos peixes. Além de todas as suas características típicas, esse crustáceo chama a atenção por uma habilidade incomum no reino animal: ele é capaz de se clonar. Se você quer saber como ele faz isso, continue lendo.
Clonando a si mesmo
Quando mencionamos a palavra “clonar”, com certeza você vai imaginar o surgimento mágico de um organismo idêntico a outro, basicamente um gêmeo. Isso é típico de obras de ficção, mas a natureza depende de mecanismos fisiológicos muito mais complexos para trazer vida à Terra.
Em biologia, a clonagem de um indivíduo refere-se ao fato de que esse organismo não precisa de outro para gerar novos descendentes. Em outras palavras, a fêmea não precisa da fecundação de um macho para engravidar. Esse processo é conhecido como partenogênese.
Com base nessa premissa, um organismo geneticamente idêntico ao progenitor é obtido sem a necessidade de busca de um parceiro e de investimento em estratégias reprodutivas. Dessa forma, o ‘lagostim de mármore’ produz cópias de si mesmo com um esforço mínimo, mecanismo com o qual consegue formar um exército capaz de colonizar novos ambientes.
A clonagem também tem certas desvantagens, uma vez que a reprodução sexual entre 2 indivíduos é a base da evolução e da diversidade genética.
Lagostins colonizando novos espaços
Os lagostins, em geral, são organismos ecologicamente importantes, pois costumam ser espécies onívoras em diversos ambientes aquáticos. Por isso, são um degrau importante na cadeia trófica, pois ao final do dia representam a alimentação de outros organismos maiores, que mantêm a estabilidade do ecossistema.
Cada espécie em um ecossistema tem limitações para se mover, portanto, permanece restrita a uma área específica. As barreiras físicas e comportamentais dos seres vivos determinam a fauna, a flora e até mesmo a estrutura da paisagem dos diferentes ecossistemas.
Agora, o que acontece se adicionarmos ou removermos alguma coisa dentro desse equilíbrio? Quando os humanos acidentalmente ou voluntariamente introduzem espécies em novos ambientes, todos os ciclos associados são desregulados e, possivelmente, a paisagem se modifica com o tempo.
O caso do ‘lagostim de mármore’ é grave, pois, se for introduzido em um novo ecossistema, pode afetar o meio ambiente ao crescer excessivamente. Por ser capaz de se clonar, aparecerão cada vez mais indivíduos exponencialmente, fazendo com que a espécie colonize cada vez mais ambientes e desloque a fauna nativa.
Se somarmos a isso a capacidade dos lagostins de resistir a vários habitats e sua capacidade de comer quase tudo (onívoros), teremos com um animal com alto potencial invasivo. Devido a isso, em vários estudos foi classificado como uma espécie perigosa.
O lagostim mutante?
Infelizmente, não há dados exatos sobre quando e onde o primeiro ‘lagostim de mármore’ apareceu. Em todo caso, podem ser feitas várias inferências a respeito de sua aparência. Graças a vários estudos genéticos e físicos, a espécie Procambarus fallax foi identificada como um parente próximo do ‘lagostim de mármore’.
Anteriormente, acreditava-se que esse crustáceo fosse uma subespécie de Procambarus fallax. No entanto, os estudos genéticos foram bastante claros e identificaram o ‘lagostim de mármore’, Procambarus virginalis, como uma espécie completamente nova.
Essa relação ou aproximação entre as duas espécies não era mera coincidência, pois estava totalmente relacionada ao fato de o ‘lagostim de mármore’ ser produto de uma grande mutação no genoma de Procambarus fallax, que acabou gerando essa nova espécie.
Essa mutação parece vir da prole de 2 organismos da espécie Procambarus fallax, um de origem natural e outro de criadouro. Muitos desses lagostins são criados como alimento para peixes em processo de produção (aquicultura), portanto, as diferenças genéticas entre organismos naturais e de criação são claras em estudos moleculares.
A mutação do genoma das espécies tem origem em diversos fatores, como as mudanças climáticas, a poluição marinha, o desmatamento e a liberação de espécies invasoras. A mudança genética do ‘lagostim de mármore’ não é totalmente natural, por isso é hora de olhar novamente para o ser humano, devido aos impactos que gera na natureza.
Um lagostim multiuso
Embora o ‘lagostim de mármore’ seja uma espécie potencialmente perigosa para vários habitats, ele também pode ter um uso útil na sociedade humana.
Um dos maiores problemas para a produção de peixes é a falta de alimentos que forneçam todo o necessário para o bom desenvolvimento muscular do animal. Para resolver esse problema, uma das melhores opções é o uso de alimento vivo. No entanto, isso é bastante caro, devido a todos os processos envolvidos.
Para a indústria da aquicultura, os alimentos vivos geram alguns custos por 2 razões principais: o ciclo de vida e a manutenção das espécies. Cuidar dessas presas enquanto estão em seu caminho vital – nascimento, crescimento e reprodução – e ao mesmo tempo monitorar todos os aspectos necessários do seu ambiente, como nível de água, oxigenação e pH, envolve um grande gasto.
É aqui que reside a importância dos ‘lagostins de mármore’. Como eles possuem uma alta capacidade de adaptação, é possível reduzir os custos de manutenção e, além disso, como são organismos partenogenéticos, não é necessário monitorar sua reprodução. O processo se resume a algo tão básico quanto alimentá-los e observá-los crescer e se reproduzir.
Dessa forma, as características do organismo seriam utilizadas a nosso favor, o que permitiria uma melhor qualidade na produção aquícola. Esse lagostim é o alimento vivo perfeito para muitos peixes.
O ‘lagostim de mármore’ abre milhares de possibilidades em diferentes áreas. Embora possa ser um risco ambiental devido às suas capacidades de adaptação, também nos oferece novas alternativas para sua utilização na busca do desenvolvimento humano.
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