Bdelloidea: microorganismo de 24.000 anos atrás voltou à vida
Escrito e verificado por o biólogo Cesar Paul Gonzalez Gonzalez
Uma das coisas mais fantásticas na mente de alguns escritores é a perspectiva de se congelar e dormir por anos. Porém, pelo menos para seres vivos complexos, é impossível fazer isso sem morrer tentando, ou assim se acreditava até o ano de 2021. Durante uma investigação realizada na Antártica, foi descoberto um rotífero (Bdelloidea) com uma incrível habilidade dentro do permafrost.
Como você pode imaginar, esse organismo estava congelado há vários anos e é um dos primeiros seres multicelulares capazes de “reviver”, apesar de tanto tempo decorrido. Essa espécie é pequena e invisível a olho nu, mas graças à sua incrível capacidade de sobrevivência, chegou até os dias de hoje. Continue lendo para saber mais sobre a história desse minúsculo microrganismo.
O que são os rotíferos?
Esse grupo de animais é microscópico, pois seus tamanhos variam entre 0,2 e 1 milímetro de comprimento. Esses organismos habitam ambientes aquáticos frescos e salgados, solo úmido, musgos, líquens e qualquer tipo de ambiente com excesso de água. A forma física dos rotíferos é distinta, pois seu corpo se assemelha a uma espécie de taça de vinho, larga na cabeça, mas esbelta no pedicelo.
Especificamente, o corpo desses indivíduos é dividido em três seções: cabeça, tronco e pé. Sob a luz do microscópio, observam-se certas características distintivas de cada região, que estão listadas abaixo:
- Cabeça: essa área possui uma coroa de cílios, que são uma espécie de tentáculos microscópicos, cujo movimento permite criar pequenas correntes. Na verdade, essas oscilações são a razão pela qual recebem esse nome, pois parecem “usar uma roda” na cabeça. Esse é o significado literal do latim rotifera.
- Tronco: abriga todos os órgãos que processam os alimentos, como intestino, estômago e cloaca. Embora cada espécie possa ser um pouco diferente, geralmente é a região mais larga do corpo.
- Pé ou pedicelo: à primeira vista parece uma espécie de cauda, capaz de se esticar e retrair. Essa seção é usada pelo ser vivo para se arrastar no ambiente ou para se ancorar em uma área específica.
Apesar de seu tamanho, o grupo dos rotíferos tem muito sucesso em sobreviver. Na verdade, são mais de 2000 espécies descritas em todo o mundo. Isso não é apenas uma coincidência, pois eles apresentam um mecanismo de latência, o que os torna resistentes à seca, ao frio extremo, às mudanças químicas na água e à escassez de alimentos.
Encontro com o passado
Para saber mais sobre a vida que habitou a Terra há milhões de anos, costuma-se usar certas regiões dos polos, onde o frio mantinha mantos de gelo permanentes.
Esses locais são chamados de permafrost, cuja particularidade é conter “múmias” de seres vivos, presos em seu interior por muitas eras. Isso os qualifica como verdadeiras cápsulas do tempo, que ajudam a conhecer mais sobre o passado.
Com isso em mente, a equipe, liderada pelo pesquisador Lyubov Shmakova, coletou parte do solo do permafrost no nordeste da Sibéria. Enquanto processavam o gelo, notaram que um microrganismo estava começando a se mover. Analisando-o, eles entenderam o que estava acontecendo: um lindo rotífero havia ficado preso por anos no gelo e estava voltando à vida.
Características do microorganismo Bdelloidea
Formalmente, os Bdelloidea são um subgrupo dos rotíferos que reúnem a maior parte de suas espécies. Esses organismos são conhecidos como sobreviventes habilidosos, por resistirem a temperaturas de 0 e -20 graus Celsius. Como se isso não bastasse, quase todos os indivíduos pertencentes a esse grupo são partenogenéticos.
Essas características são importantes, pois são os principais traços do microrganismo congelado no permafrost. Ou seja, o que se observou foi um pequeno animal em forma de rotífero, que reviveu após ser descongelado do cubo de gelo que o protegia. Com tudo o que foi dito acima, não havia dúvida de que o espécime pertencia ao grupo Bdelloidea.
Segundo artigo da revista Current Biology publicado em 2021, os pesquisadores que descobriram esse sobrevivente conseguiram classificá-lo como parte do gênero Adineta.
Para isso, realizaram análises genéticas, que demonstraram sua proximidade com esse grupo. Adicionalmente, também foi realizado um processo para identificar a idade desse espécime. Assim foi possível determinar que congelou há 23.000 ou 24.000 anos.
Como ele conseguiu sobreviver tanto tempo?
Graças à sua capacidade de diminuir o metabolismo, ele sobreviveu ao congelamento dentro do gelo. Além disso, o corpo do rotífero passou por uma modificação interna que permitiu reduzir seu tamanho para evitar o congelamento total. Resumindo, ficou menor e interrompeu seu metabolismo, deixando-o em um estado inativo chamado “criptobiose”.
Esse processo foi o suficiente para salvá-lo de morrer congelado, então após apenas algumas horas de calor ele voltou ao normal.
Embora o grupo Bdelloidea seja reconhecido por exibir esse tipo de dormência, nunca foi registrado um organismo que resistisse a mais de 10 anos de congelamento. Por essa razão, essa espécie é uma grande novidade e ainda pode ter segredos escondidos.
Bdelloidea sobreviveu e não pretende morrer
A equipe encarregada de encontrar esse pequeno animal tentou começar a reproduzi-lo. Para sua surpresa, esse organismo respondeu muito bem, pois não precisou cruzar com outros espécimes para produzir seus filhotes. Esse mecanismo é chamado de “partenogênese”. Em essência, a fêmea pode engravidar sem a necessidade de um macho.
Como podem ver, essa espécie renascida parece ter vindo para ficar. O caso desse pequeno rotífero é excepcional, pois animais multicelulares não costumam resistir tanto nessas condições. No entanto, um novo panorama se abre. Essa habilidade pode ser usada para aprender mais sobre criobiologia.
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