O comportamento das formigas

O comportamento das formigas vai além da colônia e do formigueiro. Como existem tantas espécies, os formicídeos apresentam adaptações únicas para cada ambiente e força de seleção.
O comportamento das formigas
Samuel Sanchez

Escrito e verificado por o biólogo Samuel Sanchez.

Última atualização: 21 dezembro, 2022

As formigas são uma família de insetos (Formicidae) que, junto com as abelhas e vespas, formam a ordem dos himenópteros (Hymenoptera). Até o momento, foram registradas mais de 22 mil espécies, das quais 13 800 já descritas. e estima-se que representem até 25% da biomassa terrestre de origem animal. Você quer saber mais sobre o comportamento das formigas?

Esses invertebrados se destacam pela eussocialidade incomum e pela formação de superorganismos, ou seja, são capazes de criar estruturas complexas que vão muito além da soma de cada um dos membros. Os himenópteros, sem dúvida, representam uma estratégia evolucionária fascinante e ainda temos muito que aprender sobre eles.

Características das formigas

As formigas são himenópteros, mas também pertencem à classe Insecta . Como insetos que são, possuem uma série de caracteres compartilhados com gafanhotos, besouros, louva-a-deus e outros, como um corpo dividido em cabeça, tórax e abdômen, 6 extremidades e a presença de antenas cefálicas muito notáveis.

Como outros insetos, as formigas possuem um exoesqueleto que as protege do meio ambiente, nesse caso composto por uma epicutícula e uma procutícula quitinosa. Além disso, deve-se notar que elas não têm pulmões nem vias aéreas. O oxigênio entra em seu corpo através do exoesqueleto por poros chamados espiráculos.

Esses invertebrados são altamente desenvolvidos na área cefálica. Eles têm um par de olhos compostos lateralizados, 3 ocelos no topo da cabeça, os quais detectam níveis de luz e polarização, e um par de antenas, capaz de registrar produtos químicos, correntes de ar e vibrações. Como veremos em linhas posteriores, elas são essenciais na comunicação.

O tórax ou mesossomo contém as 6 extremidades motoras e asas, presentes nas rainhas e nos machos no momento da reprodução. Por outro lado, o abdômen ou metassoma protege todos os órgãos vitais do animal, incluindo os sistemas reprodutivo, respiratório e excretor. Curiosamente, algumas espécies apresentam órgãos reprodutivos modificados, como ferrões.

Cada espécie de formiga tem suas próprias características, mas todas seguem um plano corporal geral comum.

 

O comportamento das formigas.

Comportamento das formigas

Como já dissemos, mais de 22 000 espécies de formigas foram registradas no mundo. Estabelecer generalidades em um táxon tão amplo é uma tarefa assustadora, mas a existência de ancestrais comuns e a convergência evolutiva tornaram algumas características aplicáveis a quase todos os formicídeos. Damos alguns exemplos:

  1. O comportamento das formigas é governado por mecanismos de kin selection ou seleção de parentesco.
  2. Há competição entre indivíduos da mesma espécie e população, entre populações (colônias) e entre espécies.
  3. As colônias revelam hierarquias nos processos de controle da colônia. A competição de membros de uma mesma colônia molda a dinâmica da comunidade.
  4. As colônias são diferenciadas em castas, geralmente operárias, soldados, rainhas e machos.
  5. As castas foram moldadas pela seleção natural, a fim de maximizar a aptidão biológica de toda a colônia, não de cada indivíduo individualmente.

Além da dinâmica das colônias, as formigas costumam ter relações obrigatórias com certas espécies de plantas e invertebrados. Elas são essenciais para a manutenção dos ciclos biogeoquímicos dos solos, mostram-se como excelente fonte de proteínas para várias espécies e desempenham um papel incomparável na dispersão das sementes, entre outras funções.

Aqui, vamos explorar alguns dos comportamentos das formigas. Desde a kin selection à eussocialidade, essas características vão surpreender você.

As castas no formigueiro

Em geral, afirma-se que as formigas dividem suas colônias em castas, embora essa linha se torne um pouco difusa em algumas espécies. De qualquer modo, as seguintes organizações sociais podem ser citadas no formigueiro:

  • Rainha: é o pilar da colônia, o “coração” e o “cérebro” ao mesmo tempo. Quando a rainha se reproduz com um macho alado, ela se enterra e começa a pôr ovos, que corresponderão às futuras operárias. Uma formiga rainha pode viver até 30 anos, dependendo da espécie. É diploide (2n), que em palavras mais simples quer dizer que ela tem um “quadro genético” completo.
  • Operária: as operárias são as “mãos” da colônia. Geralmente, vivem de 1 a 3 anos e realizam todas as tarefas do formigueiro, desde a construção de galerias até a busca por alimentos. Segundo estudos, a diferenciação de operária para rainha pode depender da ingestão nutricional na fase larval. Elas também são diploides (2n).
  • Macho: os machos são sacos espermáticos com pernas, pois seu único propósito é se reproduzir e morrer. É importante notar que são seres vivos haploides (n), o que significa que possuem metade da informação genética das fêmeas e operárias, ou seja, um único par de cromossomos.

No entanto, essa regra não é cumprida em todas as formigas. Algumas espécies se caracterizam por apresentar organizações nas quais todas as operárias são potencialmente reprodutivas, mas uma ou um grupo é selecionado por mecanismos de dominância (Gamergate). Diacamma rugosum é um excelente exemplo disso.

 

As formigas e a kin selection

Em palavras simples, a kin selection ou seleção de parentesco tenta explicar o “altruísmo” no reino animal, ou seja, por que existem seres vivos que ajudam seus parentes, embora isso envolva um considerável investimento de energia para eles. Essa postulação parte da equação de Hamilton:

rB> C

(r) representa a relação genética entre os dois componentes da dinâmica, (B) o benefício obtido por quem realiza o comportamento altruísta e (C) o custo reprodutivo que o comportamento acarreta para ajudar o benfeitor. Ou seja, quanto maior o parentesco entre os animais (r), mais provável é que um espécime da colônia ajude seu parente ou “superior”.

Essa teoria também pode ser aplicada a himenópteros, especialmente às formigas. As operárias “renunciam” à sua capacidade reprodutiva em favor da rainha, pois “vale a pena” em nível evolutivo, visto que são todas parentes muito próximas. Nessa estratégia, a propagação de genes comuns entre gerações é favorecida, em vez da reprodução individual.

Embora essas teorias sejam interessantes, nem todo comportamento das formigas pode ser explicado pela kin selection. Muitos profissionais discutem as postulações atualmente.

O comportamento das formigas como seres eussociais e colaboradores

Seja por kin sleection ou outros mecanismos, as formigas são um exemplo claro de eussocialidade levada ao extremo. Nessas comunidades indissociáveis, os adultos pertencem a 2 ou mais gerações sobrepostas, cuidam da prole de forma cooperativa e a grande maioria dos integrantes não é capaz de se reproduzir (operárias).

Nessas colônias, a seleção natural não atua sobre o indivíduo, mas sobre a população como um conjunto, de modo que todos os membros cooperam entre si de maneira extrema. Por isso, se a hierarquia ou a estrutura social for quebrada, todo o formigueiro entra em colapso. Em outras palavras, se a rainha morrer, as operárias morrem com ela, exceto os Gamergates mencionados acima.

No formigueiro, a vida das operárias não é relevante. Elas são sacrificadas sem problemas se com isso for possível salvar as larvas ou a rainha.

As formigas como superorganismos

Como já dissemos, cada formigueiro é um organismo complexo que supõe algo “mais além” da soma de todas as suas partes. Todos os superorganismos compartilham as seguintes características:

  1. Os componentes da colônia vivem em uma estrutura comum (formigueiro ou ninho) que protege a rainha e as larvas e permite o fornecimento de alimentos. A temperatura e a umidade dos ninhos são únicas para cada espécie e seus componentes podem modulá-la.
  2. A rainha ou mãe é o “coração” e o “cérebro” do superorganismo. Pode viver até 100 vezes mais do que o esperado para o seu tamanho e a sua morfologia.
  3. Os integrantes da colônia dividem as funções entre si. Alguns cuidam das larvas, outros caçam e outros constroem galerias e mantêm o formigueiro limpo.

Todas essas interações complexas trazem muitos benefícios. As formigas produzem um número maior de descendentes do que a médio dos insetos, vivem muito mais como unidade biológica e são capazes de manter uma certa independência do ambiente externo.

Um exemplo muito claro dessa complexidade unitária é representado pela espécie Myrmecocystus mexicanus. Nesses formigueiros, um grupo seleto de operárias se alimenta e enche seu gáster, a porção bulbosa do metassoma, até os limites fisiológicos. Então, elas se penduram no teto em determinado local do formigueiro, ficando imóveis e agindo como reservas vivas de alimentos.

Comunicação

As formigas coletoras percorrem distâncias de até 200 metros do ninho. Graças às suas antenas, elas são capazes de detectar os feromônios emitidos por outros membros da colônia e, assim, chegam em segurança ao seu núcleo populacional. Essas trilhas também são úteis para marcar fontes de alimento, perigos, outras colônias e muito mais.

Além disso, algumas espécies diurnas em ambientes áridos – como Cataglyphis bicolor – são capazes de se orientar de maneiras diferentes. Conforme indicam estudos, essa espécie possui uma espécie de “podômetro” e as operárias contam os passos que deram desde o formigueiro até um determinado destino. Elas também tomam como referência objetos no ambiente e a posição do Sol.

 

Formigas prateadas subsaarianas.

Comportamento alimentar das formigas

Em geral, costuma-se ter a ideia de uma formiga coletando sementes e pequenos restos para se alimentar, mas nem todos os formicídeos seguem essa estratégia. Algumas espécies se alimentam de fungos que crescem em seus formigueiros (Acromyrmex) e outras são praticamente carnívoras estritas (Odontomachus, Harpegnathos e Myrmecia, entre outros).

O exemplo mais claro de estratégia predatória são as trap jaws, principalmente as pertencentes ao gênero Odontomachus. Esse grupo possui os segundos apêndices predadores mais rápidos do reino animal, pois são capazes de fechar as mandíbulas em uma média de 130 microsegundos, conforme indicam estudos. Junto com seu ferrão capaz de secretar toxinas, isso transforma essas formigas em máquinas de matar.

Por fim, não podemos esquecer as formigas do gênero Myrmecia, também conhecidas como bull ants  em sua área de distribuição (Austrália). As 93 espécies incluídas nesse táxon são conhecidas por suas mandíbulas poderosas, excelente visão e toxinas poderosas. Embora não sejam letais para humanos, foram registradas mortes por choques anafiláticos.

A maioria das espécies de formigas são carniceiras, predadoras generalistas ou herbívoras diretas. No entanto, algumas desenvolveram estratégias alimentares muito especializadas.

Hoje em dia, também existem formigas predadoras letais. O gênero Myrmecia é a prova disso.

Notas finais sobre o comportamento das formigas

Como você deve ter visto, o mundo das formigas vai muito além da invasão de um piquenique na primavera ou no verão. Algumas formigas vivem em árvores e suas larvas geram verdadeiros favos de tecido (Polyrhachis dives), outras cultivam fungos dos quais se alimentam (Atta e Acromyrmex) e outras caçam incansavelmente grandes presas (Myrmecia).

Se algo ficou claro para nós depois dessas linhas, é que as formigas têm muito a nos ensinar quando se trata de evolução e sociedades complexas. Sem dúvida, são o exemplo vivo de que a união faz a força.


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