O comportamento das cobras
Escrito e verificado por a bióloga Raquel Rubio Sotos
As cobras ou ofídios são um grupo incompreendido de répteis, pois podem despertar tanto admiração quanto medo na mesma medida. Elas estão presentes em praticamente todos os continentes e são fundamentais nos ecossistemas, mas será que os seres humanos sabem tudo sobre o comportamento das cobras?
O padrão de comportamento dos ofídios é muito complexo, pois varia dentro de cada espécie e muitos comportamentos ainda não foram associados a um mecanismo biológico específico. Entretanto, tudo o que foi coletado por diferentes herpetologistas do mundo todo sugere que as cobras são muito mais inteligentes do que se poderia imaginar. Se você quiser saber mais, continue lendo.
Características das cobras
As cobras estão classificadas no reino Animalia, que faz parte do filo Cordata, na classe dos Répteis, na superordem Squamata e ordem Ophidea. Atualmente, são conhecidas 3496 espécies de cobras, das quais apenas 375 têm importância médica para os seres humanos por causa de sua picada.
A principal característica anatômica e fisiológica das cobras é a ausência de membros, característica também conhecida como apodia. Elas têm corpos alongados que podemos separar em cabeça, tronco e cauda, embora todas essas seções sejam cobertas por escamas. Por mais surpreendente que possa parecer, existem espécies que ainda têm vestígios do que antes eram as patas.
A pele é altamente variável entre as diferentes espécies. Esse órgão tem funções gerais, que são compartilhadas, e outras específicas de cada uma delas, como o chocalho de algumas cobras. Por sua vez, o tecido externo do animal é formado por várias camadas: a primeira, muito rica em queratina, é a que é trocada.
As escamas se sobrepõem umas às outras e são frequentemente usadas para distinguir as espécies entre si. Por outro lado, a pele como um todo é um órgão com múltiplas terminações nervosas, o que proporciona às cobras grande sensibilidade e tato.
Já o tronco das cobras é formado por muitas vértebras, das quais emerge um par de costelas. Relativamente a essa questão, foram realizados estudos que compararam diferentes espécies de cobras que viviam em ambientes variáveis, com a intenção de descobrir se havia alguma diferença nos esqueletos em relação ao habitat.
Verificou-se que não, ou seja, as espécies analisadas eram praticamente iguais do ponto de vista morfológico. Uma das possíveis explicações é que as cobras mudam muito de substrato, e até mesmo de clima, e uma morfologia versátil garante a sobrevivência e o sucesso evolutivo. Portanto, todos esses animais devem apresentar um potencial adaptável e comum.
Em referência à cabeça, existem diferenças claras entre as cobras venenosas e as constritoras. Ambas possuem mandíbula com ossos que podem ser móveis ou semifixos, com tendões e ligamentos muito flexíveis que lhes permitem abrir bem a mandíbula para permitir a ingestão das presas.
A principal diferença está no formato do crânio, achatado e muito mais frágil nas cobras venenosas do que nas constritoras. As primeiras são mais propensas a sofrer traumatismos cranianos, mas compensam com o veneno que lhes permite ingerir a presa com segurança.
A dentição das cobras
Quanto aos dentes das cobras, podemos classificá-los em vários tipos:
- Áglifas: essas cobras têm vários dentes, que permitem prender a presa. Essa característica é encontrada, sobretudo, em espécies não venenosas.
- Opistóglifas: têm dentes capazes de inocular veneno e dispositivos venenosos na parte de trás do maxilar e também têm dentes pequenos. Muito poucas espécies desse grupo causam danos aos humanos, razão pela qual geralmente são consideradas não venenosas.
- Proteróglifas: essas cobras têm dois pequenos dentes capazes de inocular veneno que estão conectados à glândula de veneno na parte frontal da mandíbula. Quando mordem, geralmente não liberam a presa imediatamente, pois precisam de tempo para inocular toxinas suficientes.
- Solenóglifas: possuem dois grandes dois grandes dentes anteriores capazes de inocular veneno que estão conectados à glândula de veneno. Esses dentes têm uma articulação que permite que as cobras solenóglifas movam seus dentes. São o grupo com mais consequências para a saúde humana.
O caráter das cobras
As cobras são animais de sangue frio, então seu caráter geralmente depende da temperatura ambiente. Em baixas temperaturas, elas hibernam e, durante o resto do ano, sua atividade varia dependendo do ambiente. Como não podem gerar calor suficiente para manter uma temperatura constante, são completamente dependentes das variáveis do ecossistema.
Além disso, o caráter depende de cada espécie e até difere entre indivíduos, já que existem cobras que podem ser mais intrépidas do que outras. Normalmente, são animais tranquilos que passam a maior parte do tempo termorregulando sua temperatura, algo intimamente ligado ao comportamento das cobras.
Quando uma cobra se mostra mais agressiva ou nervosa, ela aumenta seu gasto de energia de forma proporcional. Esses comportamentos ocorrem principalmente quando elas estão caçando ou defendendo o território, durante a época de reprodução ou em lutas contra predadores.
A comunicação das cobra
A comunicação dos seres vivos está ligada aos sentidos. No caso das cobras, os principais sentidos para se comunicar com o meio ambiente e com outros indivíduos seriam os seguintes:
- Visão: depende muito da espécie em questão, já que algumas têm um ótimo sistema visual, enquanto outras são praticamente cegas, como as cobras escavadeiras.
- Tato: as cobras possuem um sentido do tato altamente desenvolvido, o que lhes permite saber em qual substrato se encontram, assim como sentir as vibrações produzidas no ambiente. Com isso, elas conseguem detectar presas e perigos.
- Olfato: o olfato das cobras não é igual ao dos humanos. Esse sentido está ligado à língua bifurcada, responsável por coletar informações químicas do ambiente. Essas substâncias chegam ao órgão de Jacobson, presente no interior da boca. Uma vez captadas, as partículas informam o animal tanto sobre as características do ambiente quanto sobre todas as possíveis espécies nele presentes.
- Fosseta loreal: algumas cobras, principalmente as venenosas, também possuem outro órgão capaz de oferecer uma visão térmica do ambiente.
- Audição: quanto à audição, é praticamente inexistente nas cobras. Acredita-se que elas sejam praticamente surdas, pois não têm ouvido médio.
Além disso, as cobras também se comunicam com outras cobras ou espécies por meio de certos movimentos. Vamos conhecer um pouco mais sobre como esses répteis usam a linguagem corporal.
Linguagem corporal
A linguagem corporal das cobras nos permite saber seu estado de espírito. O comportamento de cobras que estão calmas se manifesta principalmente na forma de ausência de movimento ou com deslocamentos por reptação. Por outro lado, quando se sentem atacadas, apresentam uma infinidade de movimentos corporais que dependem de cada espécie.
Nesses casos, a maioria das espécies aumenta de volume (incham, abrem a região do pescoço, se levantam) ou produzem algum tipo de som, tentando dissuadir possíveis perigos. Em caso de ataque, realizam movimentos rápidos e precisos e algumas até cospem veneno.
Comportamento de cobras
A etologia das cobras ainda é bastante desconhecida. O comportamento desses répteis, assim como sua comunicação, varia muito entre as espécies e muitas vezes é algo difícil de estudar na própria natureza, razão pela qual a maioria das pesquisas foi realizada em cativeiro.
Quando se pensa em cobras, normalmente elas são consideradas animais solitários, praticamente sem relações sociais e sem mudanças de comportamento. Essa preconcepção está incorreta, pois foi constatado que existem várias espécies que interagem com indivíduos da mesma espécie e cobras que modificaram seu comportamento devido às mudanças climáticas.
Um estudo de Morgan Skinner mostrou que as cobras da espécie Thamnophis sirtalis sirtalis são capazes de se reconhecer entre si e escolher indivíduos com quem têm melhores relacionamentos. Além disso, foi comprovado individualmente a ousadia dos espécimes e até se havia traços variáveis entre eles.
Cortejo e acasalamento
O comportamento das cobras no âmbito reprodutivo está intimamente ligado aos feromônios e depende da área e da sazonalidade. A maioria delas são ovíparas (põem ovos) ou ovovivíparas, ou seja, mantêm os ovos dentro de si e depois os filhotes nascem de dentro da mãe.
Existe o caso de cobras vivíparas. Nessas situações, as fêmeas têm placentas e dão origem a uma prole já formada.
A reprodução das cobras varia de acordo com cada espécie. Em algumas, os machos cortejam as fêmeas através de vibrações, se esfregando e até mordendo. No momento da reprodução propriamente dita, a linguagem hormonal e o contato sensorial entre macho e fêmea são fundamentais para que a reprodução, processo que pode levar horas, seja concluída corretamente.
Algumas espécies também se caracterizam por apresentar lutas entre machos. Nesse caso, o comportamento das cobras varia entre confrontos com o corpo erguido e confrontos com o corpo enrolado, ato que é acompanhado de empurrões. Em casos excepcionais, um espécime dominante pode matar o macho rival.
As fêmeas podem realizar canibalismo com machos para obter nutrientes. Outras constroem ninhos para botar ovos e também já foi observada a defesa da área do ninho por ambos os progenitores, em espécies como a cobra-real (Ophiophagus hannah).
Comportamento antipredatório
Quando uma cobra está em perigo, seu principal impulso é fugir. Não são animais agressivos, defendendo-se apenas nos casos em que estão ameaçadas e sem possibilidade de fuga. Contudo, esses répteis exibem comportamentos dissuasivos fascinantes.
Para mostrar seu perigo, muitas cobras emitem sons altos. Sem dúvida, um dos representantes mais claros nessa frente são as cascavéis, pertencentes ao gênero Crotalus.
Essas cobras realizam movimentos com a cauda, sacudindo assim o chocalho (constituído por anéis córneos) que carregam em sua extremidade para conseguir um som estridente e ameaçador. Outro exemplo é o da biúta (Bitis arietans), que também emite um som alto ao inspirar e expirar o ar.
Talvez o comportamento mais curioso das cobras em termos de defesa seja o das espécies que cospem. Quando ameaçados, esses répteis abrem a boca e projetam um jato de veneno, geralmente direcionado aos olhos e à boca do agressor. Quando essa substância entra em contato com o corpo predador, este pode ficar cego e até morrer se for comido.
Outra forma de defesa é a mudança corporal, durante a qual as cobras tentam parecer maiores. Nesses casos, elas podem inchar, levantar-se e em casos particulares abrir um capuz que possuem no pescoço.
Para evitar prejuízos com esses répteis, é melhor deixá-los tranquilos o tempo todo.
É possível treinar uma cobra?
As cobras podem ser acostumadas a mudar certos comportamentos graças à repetição e à paciência. Quando uma cobra é mantida em cativeiro, normalmente não será agressiva, mas, caso contrário, pode ser treinada para deixar de ser agressiva.
É muito importante manter uma regularidade nesses treinos. A princípio, é recomendável que os diferentes indivíduos não possam nos reconhecer e não nos vejam como uma ameaça. Para fazer isso, eles precisam se familiarizar com o cheiro do cuidador. A limpeza cuidadosa das instalações sem manipular o animal pode ajudar.
Quando se quiser manusear a cobra, é aconselhável começar com um gancho, mantendo a cabeça do animal longe do corpo, um procedimento que deve ser o padrão caso ela seja venenosa. O gancho ajuda a cobra a não confundir a mão do tutor com comida e aos poucos o animal vai se acostumando com o manejo.
O manuseio correto pode eliminar a conduta antagônica, mas o comportamento das cobras não pode ser treinado em muitos outros aspectos.
O encantamento das serpentes
Você certamente já viu encantadores de serpentes em documentários. Nos espetáculos realizados, de dentro de uma cesta aparecem cobras, geralmente cobras-reais, que se levantam e começam a fazer movimentos simétricos ao do instrumento musical (Pungi) tocado pelo encantador. As cobras parecem estar hipnotizadas.
As técnicas utilizadas para realizar essa performance são muito estressantes e até mortais para as serpentes utilizadas. Para evitar riscos, muitos dos encantadores extraem o veneno antes de começar o show e alguns até mutilam a cobra arrancando seus dentes inoculadores de veneno.
O treinamento pelo qual as cobras passam consiste em privação de alimento e confusão. A cobra confunde o Pungi com um rival e detecta as vibrações geradas pelo instrumento. Ela se levanta para se defender e atacar se necessário. Os encantadores ficam a uma distância segura a fim de evitar mordidas em caso de ataque.
A maioria das cobras envolvidas nesses espetáculos morre pouco depois.
O mundo das cobras é fascinante e ainda há muito a se conhecer. Sua conservação é muito importante para o bom funcionamento dos ecossistemas, portanto respeitar e proteger todas as serpentes do planeta é necessário para preservar nosso meio ambiente.
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Hernández Cordero, A. (2019). Serpientes: atención y cuidados en cautiverio.
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